Trump usa leis antigas e interpretações 'exóticas' para atacar rivais
31/07/2025
(Foto: Reprodução) Estados Unidos aplicam sanções financeiras contra Alexandre de Moraes
O uso da Lei Magnistky contra o ministro Alexandre de Moraes é o exemplo mais recente de uma estratégia frequente no segundo mandato de Donald Trump: o resgate de leis antigas e o uso de interpretações “exóticas” para atacar inimigos internos e externos.
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Nesta quarta-feira (30), o governo americano recorreu à Lei Magnitsky, que costuma ser usada em casos que envolvem assassinatos e genocídios, para bloquear bens de Moraes ou de empresas ligadas a ele nos Estados Unidos.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, alegou que o ministro brasileiro realiza uma “caça às bruxas” contra cidadãos e empresas no Brasil e no território norte-americano.
A decisão é contestada por juristas ouvidos pelo g1. O problema, dizem eles, é que Trump faz uma leitura equivocada da legislação americana e desrespeita a soberania brasileira.
Abaixo, entenda quatro situações em que o governo Trump usou essa mesma estratégia, apostando em leis antigas ou interpretações incomuns para alcançar objetivos políticos.
1. Lei de Inimigos Estrangeiros
O Ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Hector Villatoro, com a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, durante visita pelo Centro de Confinamento de Terroristas
Alex Brandon/Pool via REUTERS
Para deportar imigrantes ilegais, Trump invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros, criada no século 18.
O governo americano usou essa legislação para expulsar dos EUA mais de 100 venezuelanos, acusados sem provas de fazer parte de uma organização criminosa. Eles foram presos em El Salvador, país na América Latina que é presidido por Nayib Bukele, um aliado de Trump.
“Essas leis antigas que o governo americano está trazendo de volta não estão de acordo com o sistema de direito internacional, que foi criado e desenvolvido, em grande parte, pelos próprios americanos, com a justificativa de promover a defesa de direitos humanos”, diz Flavio de Leão Bastos, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A Lei de Inimigos Estrangeiros foi criada em 1798, ano em que quase teve início uma guerra entre Estados Unidos e França. A legislação permitia que os americanos expulsassem invasores de seu território em períodos de conflito.
A lei não foi usada no século 18, mas ressurgiu na Guerra de 1812, entre EUA e Reino Unido, e nas duas Grandes Guerras. No último caso, durante a década de 1940, foi usada para aprisionar japoneses, alemães e italianos, sem julgamento, porque essas pessoas tinham ascendência em países que eram rivais dos EUA.
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2. Seção 301
Manifestação organizada pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo na região da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, nesta sexta-feira, 18 de julho de 2025.
EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O Escritório do Representante de Comércio dos EUA abriu no dia 15 de julho uma investigação contra práticas comerciais brasileiras que seriam prejudiciais a empresas americanas. A apuração está sendo conduzida com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.
Entre os alvos do governo americano no Brasil, estão o PIX, o desmatamento e até o comércio na Rua 25 de Março, em São Paulo.
Advogado e ex-secretário de comércio exterior, Welber Barral afirma que essa lei não costuma ser usada de forma tão ampla.
“A abordagem sobre o Brasil é bem incomum, porque considera várias práticas, em âmbitos diversos, e parece ter motivação política.”
Além disso, Barral afirma que a Seção 301 voltou à tona no governo Trump depois de décadas em que os EUA preferiram negociações mais amistosas, com mediação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Os Estados Unidos usaram muito a Seção 301 nos anos 1970 e 1980, principalmente no governo Reagan. Depois, passaram a apostar na OMC. Mais recentemente, houve um grande aumento no uso dessa lei com o Trump”, diz.
3. Lei da Insurreição
Policial de Los Angeles prende manifestante durante protestos contra governo Trump em 9 de junho de 2025.
REUTERS/Leah Millis
No dia 10 de junho, Trump afirmou que poderia usar a Lei da Insurreição, de 1807, para combater protestos de rua em Los Angeles. O dispositivo permite o uso de forças militares para o policiamento em caso de insurreição, um ato de rebelião contra o governo.
Trump não chegou a acionar a lei, mas enviou cerca de 700 fuzileiros navais para proteger funcionários e propriedades federais.
A Lei da Insurreição foi invocada pela última vez pelo presidente George H.W. Bush em 1992, quando o governador da Califórnia solicitou ajuda militar para reprimir os protestos em Los Angeles após o julgamento de policiais que espancaram o motorista negro Rodney King.
4. Lei Magnitsky
Foto de divulgação de Serguei Magnitsky, feita em 2006
Divulgação/Hermitage Capital Management
A lei foi assinada em 2012, pelo então presidente Barack Obama, como uma homenagem ao advogado russo Sergei Magnitsky, que morreu na prisão após denunciar um esquema de desvio de dinheiro por membros do governo russo.
Inicialmente, serviu para punir autoridades relacionadas ao assassinato. Mas, em 2016, a lei foi expandida e passou a ser usada em casos de corrupção e violações graves de direitos humanos, com alcance global.
Com essa legislação, o governo americano pode congelar bens de pessoas e empresas, como no caso de Moraes, além de impedir a entrada nos Estados Unidos.
“Essa lei pode ser usada em casos de assassinatos, torturas e graves violações de direitos humanos, e precisa ter embasamento em investigações por instituições e ONGs sérias. A situação do Moraes não se enquadra porque foge do escopo da lei e não tem embasamento”, afirma Carlos Portugal Gouvêia, professor de Direito Comercial da USP.
Um caso famoso em que a lei foi usada é o que envolve a morte do jornalista Jamal Khashoggi. Crítico do governo da Arábia Saudita, ele teve o corpo desmembrado no consulado do país em Istambul, na Turquia. Dezoito pessoas envolvidas no assassinato foram punidas pelos EUA com base na legislação.
Outro alvo da lei foi Min Aung Hlaing, comandante das forças armadas de Mianmar e acusado de liderar o genocídio do grupo ruainga no país asiático.
Donald Trump
Christopher Furlong/Pool via REUTERS
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