Inflação, impostos e desigualdade: saiba por que é cada vez mais caro ser da classe média no Brasil
14/12/2025
(Foto: Reprodução) Cartão de crédito
Fecomércio-MT/Divulgação
A alta carga tributária e a inflação persistente têm reduzido o poder de compra e tornado mais difícil manter o padrão de vida da classe média no Brasil.
Esse cenário ocorre mesmo com a melhora da renda da população e, de acordo com economistas e especialistas em tributação ouvidos pelo g1, pode ser explicado por diversos fatores.
Entre eles:
A composição da renda dessas famílias, que é principalmente composta por rendimentos tributáveis;
A defasagem da tabela do Imposto de Renda;
A diferença no tratamento tributário entre pessoas com rendas semelhantes; e
O alto percentual da renda destinado ao consumo.
Segundo os especialistas, embora a reforma tributária trate alguns desses pontos, uma solução definitiva ainda está longe de acontecer.
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Isso porque, além da lentidão na tramitação do tema no Congresso — e da possível paralisação em 2026, ano eleitoral no país — o tema ainda enfrenta forte resistência política.
Entenda abaixo o que tem encarecido a vida da classe média no país e o que esperar da reforma tributária à frente.
Composição da renda das famílias
Uma das explicações para esse cenário, segundo especialistas ouvidos pelo g1, está na forma como a renda dessas famílias é composta.
Isso porque ao contrário das classes mais altas — que têm boa parte da renda proveniente de ganhos de capital, geralmente isentos de impostos —, os rendimentos da classe média são majoritariamente tributáveis.
Um estudo recente realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), por exemplo, indicou que enquanto quem recebe acima de 240 salários mínimos por mês (R$ 316 mil) tem 71% da renda declarada isenta de impostos, os trabalhadores que ganham entre 1 e 2 salários mínimos (de R$ 1.320 a R$ 2.640) têm isenção em apenas 10,7% da renda.
O levantamento foi feito com base nos dados do Imposto de Renda de 2024 (ano-calendário 2023), quando o salário mínimo era de R$ 1.320.
Outro reflexo da alta proporção de renda isenta nas classes mais altas aparece na alíquota efetiva. Segundo o estudo, trabalhadores que ganham a partir de R$ 6 mil por mês pagaram mais imposto de renda, proporcionalmente, do que os milionários.
Enquanto os mais ricos pagaram uma alíquota de 5,28% naquele ano, os trabalhadores da chamada “classe média alta” — com renda entre R$ 19.800 e R$ 26.400 mensais (15 a 20 salários mínimos) — pagaram 11,40%, mais que o dobro.
Segundo o técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sergio Gobetti, além de o país registrar um aumento da concentração de renda nas classes mais altas, essa parcela da população paga uma carga tributária muito inferior à praticada em outros países.
“Mesmo com o crescimento da renda dos mais pobres, impulsionado por programas de transferência, o avanço na base da pirâmide não se compara ao que ocorreu no topo”, afirma.
“Esse crescimento anula os ganhos de distribuição na base. E quem está entre os extremos — a base e o topo — acabou sofrendo uma compressão na renda. A classe média foi achatada”, conclui.
A defasagem da tabela do Imposto de Renda
Segundo Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Sindifisco, outro fator que contribui para o achatamento da renda da classe média é o congelamento da tabela do Imposto de Renda, que permanece defasada em relação aos anos anteriores.
“Com isso, a base de cálculo do Imposto de Renda vai diminuindo, e as pessoas acabam sendo enquadradas em alíquotas cada vez mais altas. Esse efeito tem se tornado cada vez mais evidente”, explica o executivo.
🔎 Isso ocorre porque, em geral, a tabela do Imposto de Renda — cujas alíquotas aumentam conforme a faixa de renda — não vinha sendo atualizada de acordo com o crescimento da renda média do brasileiro. Na prática, mais pessoas acabam sendo enquadradas em faixas que exigem o pagamento de alíquotas mais altas.
Esse tópico será melhorado no ano que vem, quando entra em vigor a isenção do Imposto de Renda para quem ganha acima de R$ 5 mil, projeto enviado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso no fim de 2025.
Tratamento desigual para mesma faixa de renda
A diferença na cobrança de impostos entre pessoas com rendas semelhantes também preocupa, segundo os especialistas.
“Entre quem ganha R$ 10 mil, por exemplo, há o trabalhador, que paga uma alíquota efetiva de cerca de 15% ou 16%, mas também o pequeno empresário, que recebe o mesmo valor como dividendos da empresa — e, nesse caso, paga alíquota zero”, explica Gobetti, do Ipea.
Os especialistas apontam que, além de ampliar a desigualdade tributária no país, esse cenário tem incentivado a chamada “pejotização”.
🔎 A pejotização ocorre quando uma empresa substitui um empregado com carteira assinada por um profissional contratado como pessoa jurídica — embora, em muitos casos, as exigências feitas sejam semelhantes às de um vínculo formal.
Nesses casos, a empresa deixa de pagar encargos trabalhistas — como INSS, férias e 13º salário, por exemplo — e o trabalhador também paga menos impostos, já que lucros e dividendos continuam sendo isentos de tributação.
Tributos sobre o consumo
Por fim, os especialistas também destacam o quanto a classe média e as famílias de renda mais baixa destinam ao consumo.
Segundo o advogado tributarista Marcus Vinícius Nunes Morais, estudos da Receita Federal e de institutos de pesquisa mostram que as famílias de menor renda comprometem uma parte maior do salário com impostos.
Esse impacto ocorre principalmente por meio de impostos indiretos, como o Imposto sobre o Consumo de Mercadorias e Serviços (ICMS), as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), entre outros.
Já os mais ricos concentram sua carga em impostos diretos, como o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) e sobre o patrimônio, que, embora representem valores absolutos altos, correspondem a uma fatia proporcionalmente menor da renda.
Um levantamento feito pelo advogado mostra que, com o salário mínimo atual de R$ 1.518, uma família que ganha até esse valor tem uma alíquota efetiva de cerca de 50%.
“E quase toda essa carga vem de impostos sobre o consumo e contribuições sociais”, diz Morais. “Na prática, isso significa que essa família pode pagar cerca de R$ 750 em tributos, enquanto uma família com renda de até 50 salários mínimos (R$ 75.900), pagaria aproximadamente R$ 19.700”, explica.
“A diferença é que, no primeiro caso, o peso dos tributos consome metade da renda, e, no segundo, pouco mais de um quarto”, completa Morais.
Veja abaixo a tabela elaborada pelo especialista, com as alíquotas efetivas pagas por faixa de renda, considerando apenas tributos mensuráveis — sem incluir variações estaduais, isenções específicas, evasões fiscais ou diferenças no padrão de consumo.
Até 1 salário mínimo (R$ 1.518): alíquota efetiva de aproximadamente 50%. Quase toda a carga vem de impostos sobre consumo e contribuições sociais;
De 1 a 5 salários mínimos (R$ 1.518 a R$ 7.590): alíquota efetiva média de 40%. Ainda predominam os impostos sobre consumo, mas já há incidência moderada de IRPF.
De 5 a 10 salários mínimos (R$ 7.590 a R$ 15.180): alíquota efetiva de 35%, com maior peso de IRPF e contribuição previdenciária.
De 10 a 20 salários mínimos (R$ 15.180 a R$ 30.360): carga média de 30%, já com forte participação do Imposto de Renda.
De 20 a 40 salários mínimos (R$ 30.360 a R$ 60.720): alíquota efetiva de 28%.
Acima de 40 salários mínimos (R$ 60.720): alíquota efetiva de 26%, concentrada em IRPF, patrimônio e taxas específicas.
Quais as soluções trazidas pela reforma tributária até agora?
Após três décadas de discussão, a reforma tributária foi aprovada no fim de 2023. No entanto, só em julho deste ano a Câmara dos Deputados aprovou a primeira etapa, que trata da regulamentação dos impostos sobre o consumo de bens e serviços.
A previsão é que essas mudanças só passem a valer integralmente em 2033.
A segunda fase da reforma, voltada à tributação da renda, ainda está em debate.
A ampliação da faixa de isenção foi uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e é uma das principais apostas do governo. Também está em discussão a taxação de lucros e dividendos, além da criação de uma alíquota mínima para os mais ricos.
Segundo a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Viviana Santiago, embora a reforma proponha avanços relevantes, o Brasil ainda tributa mais o consumo do que a renda — o que acaba penalizando as classes mais pobres.
“Precisamos de uma reforma tributária que realmente promova justiça fiscal, especialmente na tributação da riqueza, do patrimônio, dos lucros e dos dividendos. Essa reforma é importante, mas ainda não é suficiente”, afirma a executiva.
Especialistas ressaltam que ainda há um longo caminho para tornar o sistema tributário mais justo — e que o governo pode enfrentar dificuldades para avançar com essa pauta em 2026, ano de eleições.
Para Gobetti, mesmo que a alíquota mínima seja aprovada e reduza parte das distorções nas alíquotas efetivas, ela ainda não resolve todos os problemas de desigualdade tributária no país.
“A reforma abre espaço para um debate que, em um segundo momento, pode permitir avanços maiores. O problema é saber quando esse segundo momento vai chegar, já que é difícil avançar com essa agenda em ano eleitoral — especialmente diante da imprevisibilidade no Brasil e no mundo sobre o que vem pela frente”, conclui.
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